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quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

O padeiro que fingiu ser rei de Portugal - Ruth MacKay

"A história do pastelero de Madrigal está cheia de disfarces, aparições de surpresa e uma preocupação em distinguir verdade de ficção, expedientes teatrais familiares às plateias da época. É impossível saber se nossos atores passaram por esses caminhos, mas é tentador encontrar por ali a inspiração para conspirar e também imaginar ressonâncias depois do fato ocorrido" - Ruth MacKay

História de Gabriel de Espinosa, padeiro em Madrigal
que fingiu ser o rei D. Sebastião de Portugal
Hoje vamos tratar do livro "O padeiro que fingiu ser rei de Portugal", da Ruth MacKay. Durante e após a leitura do livro, eu procurei algumas informações sobre a autora, mas não encontrei nada de substancial, nem na página da Stanford, onde ela é editora e professora. Esse é mais um livro que veio com a pegada das editoras em lançar livros de história, assim como a Leya fez com os "Guias politicamente incorretos", do Leandro Narloch, e a Globo fez com os "mil e oitocentos", do Laurentino Gomes (sobre ambas as coleções trataremos ao longo de 2014 aqui no blog). A Rocco não fez diferente, e com todo esse conjunto de uma capa muito bonita, um título muito sugestivo e uma sinopse muito empolgante, eu logo comprei o livro. Olha ele aí:


Antes de mais nada, preciso reiterar o que eu disse acima: este é um livro de história, um assunto que particularmente me fascina, mas se o mesmo não acontece com você, é melhor passar longe dele. Enfim, o livro tratará de um fenômeno denominado sebastianismo, que nada mais foi que um conjunto de conspirações envolvendo a morte do rei Sebastião de Portugal. Apesar de pincelar outros casos, MacKay vai se focar, como o próprio título sugere, no caso de um padeiro que vai se passar pelo falecido rei Sebastião.

O livro se inicia falando sobre o Sebastião, desde o seu nascimento até seus atos como rei. Reza a lenda que quando nasceu, estava virado para o lado da África, e inclusive, anexado ao texto, o livro traz um mapa matemático e astrológico, encomendado pelo reino, sobre o que isso poderia significar. Jovem, mesmo antes de assumir o trono, Sebastião já se mostrava doentio, com ojeriza à mulheres e excessivamente religioso (estes dois últimos fatores podem estar interligados, considerando que Sebastião tinha convívio com muitos jesuítas). Porém, logo após assumir o comando do país, o rei de 14 anos começou a se inspirar em seus antepassados, inclusive em seu avô Carlos V, e quis, de alguma forma, também ser lembrado. Por isso, tomando como rumo as teorias sobre ele ter nascido apontado para a África, ele decide que este seria o rumo que deveria tomar para buscar sua grandeza. Mais uma vez, guiado pelos jesuítas, ele, com 20 anos de idade, decide que invadirá o Marrocos para reconquistar o respeito de sua pátria e combater os infiéis (no caso, os mouros, que não eram cristãos). Então, após quatro anos de negociações infrutíferas e desapoio de grande parte dos nobres e, inclusive, de seu tio, Felipe II, rei da Espanha, Sebastião parte. Os soldados estão sem nenhum incentivo para lutar, pois sabem que com o exército que contam, a derrota é certa, afinal, para cada cristão havia, pelo menos, 300 mouros. Todos pareciam saber disso, menos Sebastião. Este, mesmo diante da total calamidade do seu poderio, resiste e luta bravamente até o fim (portanto, podemos chama-lo de tudo, menos de covarde). Até que, em certo momento em que o seu exército estava quase que desfalcado, Sebastião coloca um lenço branco na ponta de sua espada e se rende, em sinal de paz. Mas estamos tratando de mouros e estes, não entendendo o que aquilo significava, e notando quem era aquele cavaleiro, o desmontaram e o esquartejaram-no (uma tarefa que dividiram entre os muitos presentes). Ao fim de tudo, na calmaria, com Portugal oficialmente derrotada, os oficiais partem em busca dos restos mortais do rei. Esta foi uma outra missão portuguesa incompleta, pois nunca encontraram o corpo de Sebastião. E é nesse ponto que nasce a trama de todo o livro.

Sem o corpo do rei, prova cabal de que este havia factualmente expirado, muitas teorias começam a ser criadas (a de maior circulação era de que o rei se escondera para retornar quando Portugal estivesse em grande dificuldade), que passaram ainda a serem mais aceitadas quando a crise sucessória se iniciou. Sebastião não tinha herdeiros, nem irmãos, nem pais (vivos). Situação esta que deixava como sucessores em potencial apenas três pessoas: seu tio avô, cardeal D. Henrique; seu tio, o rei da Espanha Felipe II; e D. António, filho ilegítimo de seu tio avô Luis. Henrique assume de cara, mas, já idoso, não demora a falecer e entrega o reino a Felipe II, rei da Espanha. Mas, por incrível que pareça, o que mais tinha apoio popular era D. António, e é a partir de sua pretensão ao trono que nasce a história do padeiro que fingiu ser rei de Portugal.

Em Madrigal de las Altas Torres, centro-norte da Espanha, vivia um frei chamado Miguel, um brilhante teólogo, hábil líder, carismático e extremamente persuasivo (como perceberemos a seguir). Acontece que o frei era um dos grandes apoiadores de D. António, mas percebendo que este não tinha grandes chances de chegar ao trono, monta um plano para tentar ajuda-lo. Ele escolhe Gabriel de Espinosa, um padeiro, para que este finja ser rei Sebastião (que não voltará tão cedo às suas atividades como monarca por estar muito enverganhado pela derrota na África). O outro pauzinho de frei Miguel era Ana de Austria, prima de Sebastião (o verdadeiro). Com ela, ele pretendia casar o suposto Sebastião, para que assim o casal reclamasse o trono. E então você pode se perguntar: mas como colocando um potencial rei no trono ajudará a causa de D. António. Pois é, meus amigos, aí entra a lista de prioridades de D. Miguel. Ele queria, primeiro tirar o rei espanhol do trono português, e depois mostraria a farsa, o que colocaria D. António como um único rei em potencial.

A partir daqui, me abstenho dos detalhes da história. Se o plano deu certo, sim ou não e porquê, você só saberá lendo. Agora, gostaria de falar um pouco sobre a estrutura do livro. Não me resta dúvidas de que MacKay fez uma excelente pesquisa, mas talvez o problema esteja nos detalhes dos detalhes. Eu diria que este livro é uma grande árvore, cuja tronco é frei Miguel, Gabriel de Espinosa e Ana de Austria, e destes saem os muitos galhos, sendo alguns desses importantes, mas outros muitos dispensáveis. Para ter uma ideia: quando um personagem importante está sendo transportado, ela pesquisa a história do guarda que o acompanha, o que deixa a evolução da história, que naturalmente já é lenta, mais lenta.

Para uma grande quantidade de personagens, lugares e ligações familiares, nos é disponibilizada nessa edição uma lista de todos os personagens com um pequeno resumo de quem são, um mapa de Portugal e Espanha (com um destaque à micro-região de Madrigal) e uma linha genealógica da família real, que inclui os filhos ilegítimos. A grande parte dos documentos consultados pela autora eram em espanhol, por isso, mesmo na tradução destes, nos são disponibilizados alguns termos da língua original, o que só tem a acrescentar na compreensão do que foi dito. 

Como eu mencionei os outros sucessos editoriais sobre história, cabe uma pequena comparação. Este livro não é fácil de ser lido, em comparação com os "Guias politicamente incorretos" e os "mil e oitocentos". Mesmo dispondo de bastante tempo nas férias, levei cerca de 5 dias para concluir a leitura das 300 páginas. Isso pode ter dois motivos: as duas coleções citada acima foram escritas por jornalistas, e não propriamente por historiadores, como é o caso deste aqui resenhado; outro motivo pode ser o excessivo detalhamento da autora, que já pegou um caso bastante específico e desconhecido.

De qualquer maneira, não é um livro ruim. Como qualquer livro de história, nós estaremos envoltos na ambição humana, e ao menos tentar compreender o que leva o ser humano a fazer loucuras pelo poder e pelo que acredita ser o correto, mesmo que isso custe caro, é muito interessante. Por isso, se o tema do livro te interessar, não hesite em lê-lo.

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